Continuar o que <br> um furação começou

LUSA

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Em 2010 Arne Duncan, se­cre­tário de Es­tado da Edu­cação, disse que «A me­lhor coisa que já acon­teceu ao sis­tema de en­sino de Nova Or­leães foi o fu­racão Ka­trina». Uma dé­cada de­pois do ci­clone mais de­vas­tador dos úl­timos cem anos, Nova Or­leães con­tinua a lutar por se er­guer dos des­troços. Mas ao con­trário de toda a ajuda hu­ma­ni­tária, que foi cul­po­sa­mente in­su­fi­ci­ente e tardia, o go­verno apressou-se a re­formar o sis­tema de en­sino da Big Easy numa «grande ex­pe­ri­ência de edu­cação ur­bana». Pas­sados 10 anos, em ne­nhum outro dis­trito as es­colas charter con­se­guiram su­plantar por com­pleto a edu­cação pú­blica, que como mi­lhares de fa­mí­lias po­bres du­rante o Ka­trina, foi aban­do­nada por com­pleto pelo Go­verno. Os re­sul­tados, esses, são tão des­tru­tivos como o ci­clone que jus­ti­ficou a re­forma.
Em Agosto de 2005 todos sa­biam que o Ka­trina ia chegar. À sua pas­sagem pelo Norte de Cuba, de­zenas de mi­lhares de pes­soas foram eva­cu­adas e nin­guém perdeu a vida. Quando chegou a Nova Or­leães mais de 100 000 pes­soas es­tavam presas na ci­dade, em cujas ruas se acu­mu­lavam, dia após dia, os corpos de quase 2000 pes­soas: os mais po­bres e os ne­gros. Mas se o que chocou o mundo foi a res­posta serôdia e ano­di­na­mente pa­té­tica do Go­verno Fe­deral, o seu pro­fundo des­prezo pela vida hu­mana não foi gra­tuito. Pelo con­trário, a he­ca­tombe do Ka­trina foi acin­tosa e te­ne­bro­sa­mente con­sen­tida para abrir ca­minho à re­or­ga­ni­zação da ci­dade pelo di­a­pasão do ne­o­li­be­ra­lismo mais ra­dical.
Então, a tí­tulo «tem­po­rário», eli­mi­naram-se todos os li­mites às es­colas charter, fun­da­ções pri­vadas de fi­nan­ci­a­mento pú­blico, que co­me­çaram a brotar como ervas da­ni­nhas entre a mi­séria e os es­com­bros, com­pe­tindo di­rec­ta­mente com a es­cola pú­blica com base nos re­sul­tados dos exames na­ci­o­nais. Mas, ar­gu­mentam os de­fen­sores das charter, se os alunos destas es­colas re­gistam um de­sem­penho su­pe­rior nos exames, por que razão não se deve pre­miar esse de­sem­penho com mais fi­nan­ci­a­mento? O se­gredo da com­pe­ti­ti­vi­dade das es­colas charter em re­lação às pú­blicas ra­dica pre­ci­sa­mente no facto de a com­pe­ti­ti­vi­dade ser o único ob­jec­tivo da sua exis­tência: têm total li­ber­dade para es­co­lher que alunos aceitar ou re­jeitar (a an­tí­tese da edu­cação pú­blica) e roubam ao pú­blico os alunos com as me­lhores notas (e os fundos que daí advêm), ex­pul­sando ou­tros. A alma do ne­gócio é a ex­pulsão das cri­anças com di­fi­cul­dades e a re­jeição das cri­anças por­ta­doras de de­fi­ci­ência. Com efeito, um es­tudo de 2011 mos­trou que 86% das charter não têm um único aluno com ne­ces­si­dades es­pe­ciais, ao con­trário de mais de me­tade das es­colas pú­blicas.

Não há des­culpas

Em Nova Or­leães, o triunfo da es­cola charter con­subs­tan­ciou-se no des­pe­di­mento de mais de 7000 pro­fes­sores lo­cais, a mai­oria ne­gros com ex­pe­ri­ência e for­mação, que foram sendo subs­ti­tuídos pau­la­ti­na­mente por jo­vens brancos «vo­lun­tá­rios de ONG» de ou­tros es­tados, sem ex­pe­ri­ência nem di­reitos. Os exames na­ci­o­nais foram pro­mo­vidos de «su­prema forma de ava­li­ação de de­sem­penho das es­colas» a su­prema razão de exis­tência das es­colas, que num se­gui­mento es­treito dos cri­té­rios de ava­li­ação, aban­do­naram dis­ci­plinas não co­bertas pelos exames na­ci­o­nais como as lín­guas es­tran­geiras, a mú­sica, a fi­lo­sofia, a edu­cação fí­sica ou as artes vi­suais.
Como fá­bricas que são, as es­colas de Nova Or­leães são agora ad­mi­nis­tradas por en­ti­dades pri­vadas acima de qual­quer con­trolo de­mo­crá­tico que obe­decem apenas a quotas de pro­dução de re­sul­tados em exames na­ci­o­nais. E como numa fá­brica, não há tempo a perder.
O novo lema das es­colas de Nova Or­leães é No Ex­cuses, uma de­cla­ração de que «a po­breza não é des­culpa para o fra­casso» e de que o an­tí­doto é a dis­ci­plina mi­litar. Os es­tu­dantes de Nova Or­leães têm agora re­gras es­pe­cí­ficas sobre como se sentar, onde pôr as mãos, como virar a ca­beça e como ca­mi­nhar, po­lí­ticas co­nhe­cidas como S.L.A.N.T. (senta-te di­reito, ouve, per­gunta e res­ponde, acena afir­ma­ti­va­mente, segue o in­ter­lo­cutor) ou S.P.A.R.K. (senta-te di­reito, presta atenção, reage e mostra que estás a ouvir e não olhes para os lados). As aulas pas­saram a ser con­du­zidas em si­lêncio ab­so­luto, sem es­paço para o de­bate, nem pro­jectos, jogos ou dis­cus­sões. Os alunos pas­saram a re­cep­tá­culos pas­sivos para o de­pó­sito de in­for­mação e os cor­re­dores das es­colas en­cheram-se de li­nhas que os es­tu­dantes se­guem em filas in­di­anas até si­nais stop no chão. O No Ex­cuses está a per­pe­tuar a des­truição que o Ka­trina co­meçou. O ob­jec­tivo dos pro­fes­sores passou a ser con­trolar e ar­re­gi­mentar em vez de en­sinar e mo­tivar. A es­cola charter exibe agora o seu ver­da­deiro ob­jec­tivo pe­da­gó­gico: de­sen­volver nas cri­anças os me­ca­nismos de obe­di­ência ne­ces­sá­rios para aceitar e tra­ba­lhar, não ne­ces­sa­ri­a­mente por esta ordem.



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